sábado, 15 de setembro de 2012

"Quem sou eu?"

Dietrich Bonhoeffer

Parece que em certos momentos da vida uma pessoa pode mergulhar em uma crise tão grande que chega a abalar os fundamentos de seu ser. Nestes períodos íntimos e de extrema solidão uma das perguntas mais profundas diz respeito à sua própria identidade: "quem sou eu?"

Sim, "quem sou eu?" porque há muitos olhares sobre nossa verdadeira identidade. As pessoas possuem diferentes percepções à nosso respeito e estas podem mudar, sensivelmente, em tempos de crise. Jesus mesmo passou sobre isso na cruz quando alguns se dirigiram a ele dizendo: "Se tu és o Filho de Deus...", e outro: "se tu és o Messias..." O silêncio foi sua resposta!

Para os angustiados, porém, as perguntas não são diferentes. O desprezo, o abandono, as injustiças sofridas, a expiação de suas próprias culpas e as dos outros fazem com que duvidem si mesmos e de seu verdadeiro caráter.

Esta foi a experiência, por exemplo, de Dietrich Bonhoeffer, teólogo alemão enforcado pelos nazistas aos 39 anos, em razão de sua oposição ao sistema, em 9 de Abril de 1945, três semanas antes do suicídio de Hitler.

Nos dias de sua prisão, além de vasta correspondência, publicadas sob o título "Cartas da Prisão", Bonhoeffer produziu um belo poema-oração em que expressa seu profundo conflito em razão daquilo que ele sabia que sentia e era e das diferentes percepções que as pessoas expressavam acerca dele.

Quando li pela primeira vez este poema, há anos, ele tocou-me profundamente e ainda hoje é um texto de forte conteúdo para mim, que me abençoa e me encoraja.

Desfrute-o:


Quem sou eu?

Quem sou eu? Freqüentemente me dizem
Que saí da confinação da minha cela
De modo calmo, alegre, firme,
Como um cavalheiro da sua mansão.

Quem sou eu? Freqüentemente me dizem
Que falava com meus guardas
De modo livre, amistoso e claro
Como se fossem meus para comandar.
Quem sou eu? Dizem-me também
Que suportei os dias de infortúnio
De modo calmo, sorridente e alegre
Como quem está acostumado a vencer.

Sou, então, realmente, tudo aquilo que os outros dizem de mim?
Ou sou apenas aquilo que sei acerca de mim mesmo:
Inquieto, saudoso e doente, como ave na gaiola,
Lutando pelo fôlego, como se houvesse mãos apertando minha garganta,
Ansiando por cores, por flores, pelas vozes das aves,
Sedento por palavras de bondade, de boa vizinhança
Conturbado na expectativa de grandes eventos,
Tremendo, impotente, por amigos a uma distância infinita,
Cansado e vazio ao orar, ao pensar, ao agir,
Desmaiando, e pronto para dizer adeus a tudo isto?

Quem sou eu? Este ou o outro?
Sou uma pessoa hoje e outra amanhã?
Sou as duas ao mesmo tempo? Um hipócrita diante dos outros,
E diante de mim um fraco, desprezivelmente angustiado?
Ou há alguma coisa ainda em mim como exército derrotado,
Fugindo em debandada da vitória já alcançada?

Quem sou eu? Minhas perguntas zombam de mim na solidão.
Porém, seja quem eu for, Tu sabes, ó Deus, que sou Teu!

Dietrich Bonhoeffer

Nenhum comentário:

Postar um comentário