sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Igreja - Israel: relações perigosas

Festa dos Tabernáculos - Mar Morto
Este Mês de Outubro foi marcado, aqui em Israel, pelas muitas festas referentes à virada do ano no Calendário Judaico: Rosh HaShanah, Slichot, Yom Kipur e Tabernáculos. Milhares de pessoas de todo o mundo visitaram a Terra Santa nestes dias. Por onde andávamos, especialmente em Jerusalém, encontrávamos caravanas vindas de todos os continentes para celebrar os feriados judaicos.

Destes milhares de visitantes a grande maioria era formada por caravanas cristãs, principalmente de linhagem evangélica que, em um fenômeno um tanto quanto recente, tem não somente incorporado elementos do judaísmo à sua liturgia e práticas, como também dado apoio irrestrito às ações do Estado de Israel, uma atitude, aliás, extremamente perigosa para a própria igreja que tem, na figura do Islã radical, seu mais ferrenho e perigoso adversário em nossos tempos.

Deixando o aspecto bíblico-teológico da questão "judaização da Igreja", que é um grande equívoco, naturalmente, gostaria de falar sobre um dos mais recentes e fortes modismos que tem invadido as igrejas mundo afora que é a de apoio político às ações do governo de Israel e, como efeito colateral, a marginalização dos palestinos, árabes e muçulmanos em geral.

Festa dos Tabernáculos - Mar Morto
No ano passado, participando de um encontro para celebrar os 100 anos dos batistas na Terra Santa ouvi de vários pastores árabes o clamor para que os cristãos estrangeiros amem aos judeus, mas também amem aos árabes.

Tal clamor não é infundado, pois além do apoio incondicional de certo movimento evangélico mundial às políticas de Israel em razão de uma interpretação superficial do texto bíblico e do desconhecimento da história e problemas desta região nos últimos séculos, há um crescente desprezo, por parte deste movimento, pelos povos árabes e dos palestinos em particular. Enquanto boa parte da população israelense reconhece a inevitabilidade de um Estado Palestino algumas igrejas, com Bíblias à mão, resgatam as promessas ao antigo Israel para afirmar a necessidade da plena conquista da "Terra Prometida" pelos descendestes de Jacó.

O grande problema de tal postura é que estas igrejas traem os princípios neotestamentários de um Deus que não faz acepção de pessoas (e nem de povos) e, sobretudo, dão um tiro no próprio pé, dificultando sua missão entre os povos que deseja alcançar. Além disso, colocam em risco as comunidades cristãs que vivem em países muçulmanos, aumentando a hostilidade por parte destes em relação ao cristianismo.

Festa dos Tabernáculos no Jardim da Tumba - Jerusalém


Para mudar esta trajetória não é necessário fazer grandes esforços, bastaria estas comunidades voltassem aos textos bíblicos que indicam que o lugar da verdadeira adoração é no coração e não em um espaço físico-geográfico e que "o meu reino não é deste mundo".

Lamentavelmente, porém, por trás de todo este "zelo" por Israel e as promessas atinentes aos judeus, há uma forte tendência mercantilista que tem transformado este tema "Igreja - Israel" em um negócio que movimenta milhares de dólares a cada ano e tem contribuído para o enriquecimento de algumas lideranças religiosas ao redor do mundo.

sábado, 13 de outubro de 2012

O bêbado e o equilibrista

A citação a Charles Chaplin na postagem anterior me fez lembrar um dos maiores nomes da MPB, João Bosco, e seu grande sucesso "O bêbado e o equilibrista" no qual ele faz menção àquele artista e canta a esperança de um novo tempo já que o Brasil, à época, vivia os anos da cruel ditadura militar.

Ainda era um adolescente, mas lembro com saudades daquele tempo em que, inocente, ouvia de nossa voz-feminina maior, Elis Regina, a emocionada versão desta belíssima canção.

Hoje, como nação, nossos desafios e sonhos são outros, mas cada um de nós enfrenta momentos em que, tal como o bêbado e o equilibrista, precisamos caminhar na corda bamba de nossa história pessoal, procurando manter o passo e o compasso para não perder a esperança e cair, definitivamente.

E é esta, a Esperança, que nos motiva a caminhar, mesmo que aos tropeços, e continuar lutando com a certeza de tempos melhores. E, embalados por esta melodia que se tornou um hino para uma geração inteira de brasileiros, nos sentimos renovados e encorajados, sabendo que tudo passa e que "o show de todo artista tem que continuar."

Desfrutem:

O bêbado e o equilibrista (João Bosco)

Caia a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos
A lua, tal qual a dona do bordel

Pedia a cada estrela fria um brilho de aluguel
E nuvens lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas, que sufoco louco
O bêbado com chapéu coco fazia irreverências mil
Prá noite do Brasil. meu Brasil
Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu num rabo de foguete

Chora a nossa pátria mãe gentil
Choram marias e clarisses no solo do Brasil
Mas sei que uma dor assim pungente não há de ser inultilmente
A esperança dança na corda bamba da sombrinha
E em cada passo dessa linha pode se machucar
Azar, a esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar


terça-feira, 2 de outubro de 2012

"O Grande Ditador"

Charles Chaplin em "O grande ditador"
Sem sombra de quaisquer dúvidas Charles Chaplin foi um dos maiores nomes da história do cinema. Sua atuação, direção e produção mostraram, sempre, a genialidade de sua mente e sua capacidade em transmitir forte conteúdo através de suas películas, ainda no período do cinema mudo.

Em um de seus maiores momentos, produziu e atuou em "O grande ditador", obra na qual faz uma sátira aos ditadores de modo geral e, como não poderia deixar de ser, à Hitler e ao nazismo em particular e também ao ditador italiano, à época, Benito Mussolini.

"O grande ditador" foi seu primeiro filme falado, lançado nos Estados Unidos em 1940, antes mesmo que este país abandonasse sua postura de neutralidade, entrando, definitivamente, na Segunda Guerra Mundial.

Trata-se de um filme-protesto, em forma de sátira, mas com forte conteúdo de contestação e denúncia do regime político promovido pela Alemanha de Adolf Hitler inclusive de sua perseguição aos judeus.

Comum a uma atitude profética a palavra de esperança não poderia faltar e o filme acaba com um belo discurso do barbeiro judeu, confundido com o ditador do fictício reino da "Tomânia", ambos interpretados por Chaplin, onde valores como "solidariedade" e "liberdade" são exaltados e a possibilidade da construção de um mundo melhor, construído com base na razão, na ciência e no progresso ("há controvérsias") é proposta.

No último parágrafo deste discurso as palavras de esperança, pronunciadas pelo barbeiro, são dirigidas especialmente à Hannah (nome da mãe de Charles Chaplin), interpretada pela atriz Paulette Goddard, que era esposa de Chaplin na vida real, mas que no filme assumiu o papel da mulher por quem o barbeiro judeu se apaixona.

Abaixo a transcrição do discurso e o trecho do filme em que o discurso é pronunciado.

Vale à pena ler e assistir.


Desfrute e pense!


Charles Chaplin em "O grande ditador"


"Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo - não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades. 

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens, levantou no mundo as muralhas do ódio e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

A aviação e o rádio nos aproximou. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem, um apelo à fraternidade universal, a união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora. Milhões de desesperados: homens, mulheres, criancinhas, vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que podem me ouvir eu digo: não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia, da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá. 

Soldados! Não vos entregueis a esses brutais, que vos desprezam, que vos escravizam, que arregimentam vossas vidas, que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos. Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão. Não sois máquina. Homens é que sois. E com o amor da humanidade em vossas almas. Não odieis. Só odeiam os que não se fazem amar, os que não se fazem amar e os inumanos. 

Soldados! Não batalheis pela escravidão. Lutai pela liberdade. No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o reino de Deus está dentro do homem - não de um só homem ou grupo de homens, mas de todos os homens. Está em vós. Vós, o povo, tendes o poder - o poder de criar máquinas; o poder de criar felicidade. Vós o povo tendes o poder de tornar esta vida livre e bela, de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto - em nome da democracia - usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo, um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice. 

É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam. Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão. Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e a prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos. 

Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos. Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam. Estamos saindo da treva para a luz. Vamos entrando num mundo novo - um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah. A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah. Ergue os olhos."