sábado, 1 de junho de 2013

O Irã já não é mais o mesmo...

Foto: ForeingPolicy
Quando você pensa em "Irã" que imagens lhe vem à mente: aiatolás, fanatismo religioso, mulheres com véus? O que dizer acerca do comportamento sexual dos iranianos?

Ao longo dos últimos 30 anos, apesar de grande parte da imprensa mundial se ocupar apenas de notícias relacionadas à política radical daquela  República Islâmica, o país tem passado por uma transformação social e cultural profundas.

Sem fazer juízo de valor a atual revolução sexual do Irã é, certamente, algo sem precedentes na história do nação. Atitudes sociais mudaram tanto nas últimas décadas que muitos membros da diáspora iraniana ficam chocados quando visitam o país: "Hoje em dia Teerã faz Londres parecer uma cidade conservadora", disse-me um britânico-iraniano, recentemente, ao retornar de uma viagem à Teerã. Quando se trata de costumes sexuais o Irã está de fato se movendo em direção à Grã-Bretanha e Estados Unidos... e aceleradamente.

Apesar da falta de dados é possível ter uma ideia da dimensão da questão a partir das estatísticas oficiais compilados pela República Islâmica. A diminuição da natalidade, por exemplo, sinaliza uma maior aceitação de métodos contraceptivos e outras formas de planejamento familiar, bem como uma deterioração do papel tradicional da família. Ao longo das duas últimas décadas o país experimentou a queda de fertilidade mais rápida já registrada na história da humanidade. A taxa de crescimento anual da população do Irã caiu para 1,2 por cento em 2012 quando em 1986 era de 3,9 por cento, isto apesar do fato de que mais da metade dos iranianos têm menos de 35 anos de idade.

Ao mesmo tempo a idade média de casamento para os homens subiu de 20 para 28 anos nas últimas três décadas e as mulheres iranianas estão se casando entre 24 a 30 anos - isso somente cinco anos após a última década. Cerca de 40 por cento dos adultos em idade para se casar estão solteiros, de acordo com estatísticas oficiais. A taxa de divórcio, por sua vez, também disparou, triplicando, a partir de 50 mil divórcios registrados em 2000 para 150 mil em 2010. Atualmente, há um divórcio para cada sete casamentos em todo o país, mas nas grandes cidades a taxa fica significativamente maior. Em Teerã, por exemplo, a proporção é de um divórcio para cada 3,76 casamentos - quase comparável à Grã-Bretanha, onde 42 por cento dos casamentos terminam em divórcio. E não há nenhuma indicação de que a tendência seja de queda. Nos últimos seis meses a taxa de divórcios aumentou enquanto a taxa de casamento caiu, significativamente.

Mudança de atitudes em relação ao casamento e ao divórcio coincidiu com uma mudança dramática na forma como os iranianos se relacionam e encaram a questão sexual. De acordo com um estudo citado por um funcionário do Ministério da Juventude, em dezembro de 2008, a maioria dos homens entrevistados admitiu ter tido pelo menos uma relação com alguém do sexo oposto antes do casamento. Cerca de 13 por cento dessas relações "ilícitas", além disso, resultou em gravidez indesejada e aborto - números que, embora modesto, teria sido impensável há uma geração atrás. Não é de admirar, então, que o centro de pesquisas do  Ministério da Juventude tenha alertado que "relacionamentos não saudáveis ​​e a degeneração moral são as principais causas de divórcios entre os casais jovens iranianos."

Enquanto isso a indústria do sexo clandestino decolou nas últimas duas décadas. No início de 1990, a prostituição existia na maioria das cidades - especialmente em Teerã - mas os profissionais do sexo eram praticamente invisíveis, forçados à clandestinidade. Agora, a prostituição é uma realidade em muitas cidades do país. É possível encontrar profissionais do sexo pelas ruas à espera de clientes aleatórios. Dez anos atrás, o Jornal Entekhab afirmou que havia cerca de 85 mil profissionais do sexo apenas em Teerã.

Novamente, não há bons estática em todo o país sobre o número de prostitutas. Falando recentemente à BBC, o chefe da estatal Organização para o Bem-Estar Social do Irã disse: "Certas estatísticas não têm nenhuma função positiva na sociedade, em vez disso, elas causam um impacto psicológico negativo e, portanto, é melhor não falar sobre elas ". Porém, os dados disponíveis sugerem que 10 a 12 por cento das prostitutas iranianas são casadas. Isso é especialmente surpreendente dadas as punições islâmicas graves infligidas por sexo fora do casamento, principalmente para as mulheres. Mais surpreendentemente ainda é que nem todos os profissionais do sexo no Irã são mulheres. Um novo relatório confirma que as mulheres ricas de meia-idade, bem como mulheres jovens e educadas, estão em busca de relacionamentos sexuais de curto prazo e, para tanto, procurando os serviços de profissionais do sexo, masculinos.

Texto: Afshin Shah
Fonte: www.foreignpolicy.com
Tradução: Marco Wanderley

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Voltando ao Oriente Médio

Monte Nebo - Jordânia
Foto: Marco Wanderley
Depois de uma experiência que se tornou insustentável para mim no sentido de manter o blog e um site, ao mesmo tempo, resolvi retomar o blog dentro da ideia original e voltar a trabalhar com as questões do Oriente Médio, somente. A partir de hoje, então, estou retomando esta atividade a foto de um dos lugares de que gostei de visitar em minhas viagens pela região e que me causou profundo impacto.

Trata-se do Monte Nebo, Jordânia, onde , segundo a Bíblia, Deus teria enviado serpentes para castigar o povo em sua peregrinação à Terra Prometida e de onde Moisés a teria contemplado antes de morrer. De fato, se o dia estiver com boa visibilidade, deste ponto, temos uma vista privilegiada do Mar Morto e parte da região do Rio Jordão, fronteiras entre Israel e Jordânia.

No final do Evangelho de João (3.14), Jesus retoma a narrativa da serpente para dizer que "E do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado" (João Ferreira de Almeida, R. A.). Quem chega ao Monte Nebo, portanto, se depara com a imagem da foto acima que aponta para estas palavras de Jesus. Trata-se de uma cobra que se enrola em torno de uma armação de ferro e que configura uma silhueta humana. É um belo e significativo monumento.

Quem vai ao Monte Nebo, porém, não pode deixar de visitar a Madaba, uma pequena cidade na região, e que é site de ruínas de igrejas do início da história do Cristianismo. Também vale à pena visitar Amã, Jerash, Petra e todas as atrações que a Jordânia, aliás um país muito agradável, oferece aos visitantes.

Foto: Marco Wanderley

Acompanhem e compartilhem as publicações deste blog entre seus contatos, pois darei continuidade ao trabalho que comecei há dois anos e publicarei textos e entrevistas sobre diversos aspectos da vida no Oriente Médio, especialmente em Israel onde vivo atualmente, procurando informar os que possuem interesse por esta região tão rica de história e tradição, mas também tão conturbada e em perspectivas de significativas mudanças nestes próximos anos.


sexta-feira, 12 de abril de 2013

Estupro ou "ato profético"?

Desde ontem tenho acompanhado aqui de Jerusalém a suposta "agressão" de Gerald Thomas à uma das panicats - "repórteres" de um dos mais horrorosos programas já concebidos e veiculados na televisão brasileira, o "Pânico na TV". Diante da força da imagem fiquei chocado com a ação deste artista e imediatamente manifestei meu protesto através do compartilhamento de um texto escrito por Nádia Lapa, cujo título é "A cultura do estupro", amplamente divulgado nas redes sociais.

Porém, advertido e informado por um amigo das boas artes no Rio de Janeiro, um maestro, resolvi me retratar da crítica ao Thomas e mesmo dizer que talvez seu gesto está mais para profético do que para estrupo.

Para quem conhece os profetas bíblicos sabe que frequentemente eles faziam algum gesto "tresloucado" para chamar a atenção dos ouvintes ou do público à mensagem que queriam anunciar.

Gerald Thomas foi grosseiro, não há dúvidas, mas o sentimento que ele causou no público de modo geral é exatamente o mesmo que sinto - compartilhado por muitos e creio que foi exatamente isso que ele quis expressar - quando ligo a televisão e me deparo com alguns dos programas de humor, ou melhor, de mau-humor, veiculados na televisão brasileira, dentre eles o programa supracitado.

Estarrece-me a ousadia mal educada de seus apresentadores e repórteres. Choca-me a exposição barata e inescrupulosa de corpos femininos (aliás bastante masculinizados) e a exploração de um erotismo grosseiro, tudo em nome da conquista e manutenção da audiência (e quem me conhece sabe que não sou moralista, portanto não faça esse juízo a meu respeito).

Talvez alguém me aconselhe a mudar de canal, mas o problema é mudar de canal e cair em "A Fazenda" ou no "BBB-...", trocando "6" por meia dúzia. Diante disso, resolvi, na verdade, desligar a televisão e só tomo conhecimento do que nesta ocorre pelas redes sociais ou, infelizmente, por alguns canais de informação (predominantemente jornais eletrônicos) que se rendem ao culto do grotesco que se instalou em nossa sociedade - inclusive o religioso - e estampam em suas capas notícias de tais programas, se ocupando de nos "atualizar" das novidades.

Diante disso e muito mais, porém não desejo cansar o leitor, repensando a ação de Gerald Thomas, retrato-me da crítica inicial e a saúdo seu gesto como um "ato profético" de grande coragem e ousadia, na expectativa que tal evento possa representar o início de uma mudança na qualidade de nossas programações.

Espero que o escândalo que ele causou traga reflexão aos que promovem este tipo de programação e que nos afrontam, diariamente, com a exposição do ridículo. Ao mesmo tempo, desejo que a própria sociedade, inclusive os que se sentiram ofendidos, levante-se para cobrar mudanças significativas para que informem e não deformem, para que entretenham sem serem vazios e grosseiros.

Concluindo, sugiro:

Desligue sua televisão e leia bons livros!


sábado, 16 de março de 2013

Lutas inglórias...

Por questões pessoais tenho estado um tanto quanto "fora do ar" e tenho evitado manifestar-me acerca de nosso meio religioso evangélico. Entretanto, diante de tanta coisa que tenho visto nestes últimos meses, melhor dizendo, que tenho ouvido, pois tais temas já não mais me interessam, quero manifestar minha preocupação com os caminhos que a Igreja Evangélica Brasileira está tomando.

Lamentavelmente, depois de um período de disputas e discussões públicas que chegaram às raias da baixaria e bizarrice, havendo quem tenha, inclusive, entrevistado o "diabo" no afã de derrubar o concorrente, estamos vivendo um outro conflito: uma cruzada contra os homossexuais, encarnada, principalmente, pelos polêmicos pastores Silas Malafaia e Marco Feliciano.

Preocupa-me ver a proporção que tal debate tem tomado e suas possíveis consequências. Temo que discussão saia das redes sociais para as ruas e que a dureza das palavras e atitudes que tenho percebido (pouco evangélicas, aliás) se concretizem em atos de violência física, especialmente contra os gays que lutam pelo seus direitos, inclusive o de serem respeitados como seres humanos que são.

Por outro lado, causa-me perplexidade de ver tamanha energia e tempo, gastos por boa parte da igreja, para discutir um tema que, nem de longe, é um dos principais do texto bíblico, considerando os dois Testamentos.

Aliás, é impossível imaginar os profetas, apóstolos e, especialmente Jesus, levantando uma bandeira contra gays, especialmente usando palavras de baixo calão para se referir a este grupo e àqueles que se omitem em relação à discussão, como as que tenho ouvido de nossas lideranças.

Até onde posso recordar em quase 40 anos de uma vida engajada dentro da igreja evangélica no Brasil nunca vi um discurso tão contundente contra nenhuma forma de pecado ou injustiça em nossa sociedade. Aliás, embora tenha nascido no ano do golpe militar de 1964 e tenha passado minha infância, adolescência e juventude sob este regime, jamais vi ou ouvi qualquer discurso contundente por parte de líderes evangélicos contra os pecados, enormes, que os militares cometeram contra o povo brasileiro. Conheço, inclusive, pastores que, por ocasião do aniversário do golpe, postam textos nas redes sociais saudando, retroativamente, a "Redentora", erroneamente chamada de "Revolução".

Enfim, em toda a minha vida, até o presente momento, nunca ouvi estes "bravos" líderes evangélicos irem para a televisão para denunciar as injustiças de nossa sociedade, tais como a má distribuição de renda, a pobreza, a exploração do mais fraco, a prostituição de menores (em razão da pobreza e falta de oportunidades e não por algum tipo de demônio especialista em prostituição), a violência que grassa nos grandes centros urbanos, a corrupção nos governos em geral, o descaso em relação à saúde, as condições desumanas em que vivem os encarcerados e, enfim, um outro tanto de pecados sociais que não precisamos enumerar para não cansar o leitor.

O fato é que, como bons conhecedores da Bíblia, nossos líderes deveriam saber que estas questões de "pecados da sexualidade" não são mencionadas entre os pecados que mais "incomodam" à Deus. No Livro de Provérbios, capítulo 6, por exemplo, o autor nos diz o seguinte:

"Seis coisas o Senhor aborrece e a sétima sua alma abomina: (1) olhos altivos, (2) língua mentirosa, (3) mãos que derramam sangue inocente, (4) coração que maquina projetos iníquos, (5) pés que se apressam a correr para o mal, (6) testemunha falsa que profere mentira e (7) o que semeia contenda entre os irmãos" (esta Deus abomina).

Sendo assim, por que estas questões atinentes à sexualidade, neste caso a homossexualidade, nos incomoda tanto? Será que não temos outras causas mais nobres em nossa sociedade pelas quais, realmente, vale à pena lutar? Será que não existem pobres suficientes no Brasil com os quais possamos nos preocupar e ocupar, a partir de dentro de nossas próprias igrejas, como bem recomendou o Apóstolo Paulo? Será que não há injustiças sociais no Brasil e corrupção em todos os setores que tem sido como câncer na vida de nossa sociedade? Será que a cultura dos privilégios não nos causa mais danos? Será que a violência (inclusive contra os gays) não é um flagelo que mereça ser combatido com maior intensidade entre nós? E o que dizer do preconceito e violência contra os negros?

Leio a Bíblia de Gênesis a Apocalipse e não vejo o porquê de investirmos tanto tempo nestas questões. Quando jovem aprendi que quando alguém fala com tanta frequência e intensidade sobre temas como este (da sexualidade) é porque está fazendo projeções na tentativa de combater no outro aquilo que pulsa dentre de si mesmo. Como o passar do tempo, as leituras e a própria experiência da vida me ajudaram a constatar que isso é verdade. Seria este o motivo de tanta fúria e persistência inconveniente neste assunto?

Enfim, em uma época em que a igreja se tornou um negócio, longe da pregação dos profetas, apóstolos e de Jesus e do estilo de vida que estes viviam, não podemos esperar coisa melhor da liderança que aí está, pois seus discursos não objetivam o edificar ou mesmo levar homens e mulheres ao conhecimento da verdade, mas são elaborados no sentido de lhes trazerem mais poder, dinheiro e popularidade. "Falem mal de mim, mas falem". O que importa é estar em evidência. "Que eu cresça e Ele diminua", parafraseando João Batista, precursor de Jesus.

Enquanto isso, a comunidade evangélica, manipulada e pouco informada, se torna massa de manobra nas mãos destes lobos devoradores com suas ambições pessoais.

Domine, miserere nostri!